3.14.2007



" Passava as manhãs sentada junto à mesa olhando os dedos, as unhas lisas e rosadas. Será que todo mundo sabe o que eu sei? ocorria-lhe profundamente. Procurava distrair-se desenhando as linhas retas sem auxílio de régua - mas onde estava o encanto do trabalho? sem poder precisar melhor parecia-lhe que falhava a todo instante. Às vezes falava alto algumas palavras e enquanto ouvia parecia-lhe numa estranheza inquieta e deliciosa que ela não era ela mesma e surpreendia-se num susto que era também mentira. E depois noutra estranheza fraca e embriagada, ela era ela mesma. Dizia numa pequena voz aborrecida, balançando a cabeça; pois não estou contente. Ou entrava a viver numa exaltação íntima, numa pureza ardente cujo ínicio era uma imperceptível falsidade. Sabia ainda fechar os olhos e cerrar-se numa força bruta. Entreabria então as pálpebras com delicadeza como deixando a força escoar-se lentamente - e enxergava as coisas sob uma certa luz de crepúsculo dourado, flutuando num fulgor trêmulo, clareadas e finas; o ar entre elas era tenso e e frio, os ruídos se aguçavam em agulhas velozes. Cansada, de súbito abria os olhos inteiros, deixava a força em liberade - num estrondo mudo as coisas secavam cinzentas, duras e calmas, o mundo afinal. Ou ela renascia como quem estremece, um impulso de surpresa"

(C.L.)