2.15.2009

Mísera Compulsão

Tenho andado contente e a vontade de escrever já não me desperta tão necessária. Há dias me deixei na estação de trem e esqueci junto meus medos e minha preguiça. Bach me consola a abertura para a beleza do espírito nos desejos mortais do coração, em sua eterna carência, já me supro do tempo agora. Me deixei para traz a mérito de ordem e progresso. Com bom e meticuloso exagero à que me revelo só me resta o por vir, o transformar e surgir. Tudo que entra em mim planta sua semente e meu dever é cuidá-la pra que nossos pensamentos cresçam fortes e coloridos emaranhados dispostos à fruto. E eles chegam assim tão inesperados e divinos que se eu te contasse não seria igual. Porque aquela mulher de malha de linha rosa gasta e embolorada e meias de lã baunilha, compridas encardidas e um gorrinho velho que lhe sobrava no alto da cabeça, temática inverno pueril, ela precisa se desintoxicar das microbactérias que habitam tudo que existe no mundo. ela molhava a ponta de seus longos dedos centrais, seguidos um por um como num acorde, era um gesto praticado há anos mas restava-se latente e contudo sublime, ela tocava a água escorrendo da pia como um harpa que se afina antes de ser tocada. Ele usava aquela pia pública como se fosse sua, e ali honrosamente praticava seu ritual. Depois de aberto a torneira e afinado a água com ela seguia religiosa tradição, curvar-se lentamente, procurar, achar, pegar lentamente, pensar no movimento em outro lugar do espaço, apoiar, olhar, qual o propósito do meu dia? Há de ser limpa, pega-se pedaços de papel e limpa-te! escuta-te à água, testa sua infinitez; o barulho da água é conforto, puro e passa contínuo, ela soa ali limpa e presente, para não se esquecer, não se lembrar de que está sozinha num sábado à noite, alongue-se ao mantra da água corrente. Faça tudo certinho, um por um, organizado, devagar em sua solidão, a água escorre.

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