9.02.2009

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"Aliás, não fora só o agrupamento das companheiras em volta dela que me impedira de vê-la bem, mas também a incerteza dos sentimentos que eu podia, à primeira vista e depois, inspirar-lhe, fossem de soberba intratável, ou de ironia, ou de um desdém externado mais tarde às amigas. Essas suposições alternativas que eu fizera num segundo, a seu respeito, adensaram em torno dela a atmosfera turva em que ela se escondia, como uma deusa dentro da nuvem que o raio faz tremer. Pois a incerteza moral é a causa maior de dificuldade para uma exata percepção visual do que o seria um defeito material do olho. Naquela pequena demasiado magra e que atraía também demasiadamente a atenção, o excesso do que outro qualquer chamaria talvez encantos era justamente o que me desgradava, mas tivera, assim mesmo, como resultado impedir-me de nada perceber e, com mais forte razão, de nada me lembrar das outras caixeirinhas, que o nariz arqueado desta, e o seu olhar — coisa tão pouco agradável —, pensativo, pessoal, dando a impressão de julgar, haviam mergulhado na noite à maneira de um relâmpago louro que entenebrece a paisagem circunstante. E assim, da minha ida, para encomendar um leite, ao leiteiro, só me lembrava (se se pode dizer lembrar de propósito de um rosto visto tão de relance que dez vezes adaptamos ao nada do rosto um nariz diferente), só me lembrava a pequena que me desagradara.
Bastou isso para fazer começar um amor.
No entanto eu teria esquecido a extravagância loura e jamais haveria desejado revê-la se a outra não me tivesse dito que, embora criança, aquela pequena era sabidíssima e ia abandonar a patroa porque, muito faceira, fizera dívidas no bairro. Já houve quem dissesse que a beleza é uma promessa de felicidade. Inversamente a possibilidade de prazer pode ser um começo de beleza."

Um comentário:

Anônimo disse...

foda.